individualidades

quarta-feira, julho 29, 2009

problematica DaVinci - consulta 1

Hipoteticamente falando:

O que a traz aqui Ana? Pergunta ela de aspecto normal sentada numa cadeira de aspecto normal, sorriso de aspecto normal, circunspecto, vazio, pouco interessado… o normal.
Acho que tenho problemas… digo eu, na esperança de que a aceitação tragam uns pontos na clarividência da minha normalidade. Olho à volta, constato que não era nada daquilo que imaginaria: uns quadros, uma chez-longue confortável, uma terapia hipnotizante… Portugal é mesmo pequenino, até nas salas de chuto emocional.
Que problemas? Insistia ela…
- O meu pai morreu.
Estou a fazer-me difícil, normalmente falo de tudo, é uma espécie de sedução… é estúpido achar que tenho que seduzir até a merda da gaja que me cura estes ímpetos histéricos contraproducentes…
- Sim…
Sim? Que raio de resposta… ok! Vou mudar de assunto – Tenho problemas emocionais antes disso... – Boa, ela vai perguntar que assuntos emocionais.
- Conte-me lá… revirando-se na cadeira como se isso fosse iniciar outro capítulo de interesse, apesar de saber que no final ela dirá (com os olhos): isso é um problema na relação paternal que está seriamente dimensionada pelo recente factor de abandono.
Tudo bem eu brinco a isso também – a minha irmã diz que eu tenho a problemática DaVinci na minha vida só que é de foro emocional – jackpot na introdução de mais um elemento familiar de referência.
- O que é que isso quer dizer? - Ela diz isso como se não tivesse percebido. DaVinci não conseguia terminar projectos, não sabia comprometer-se, logo eu não concluía nada do que me propunha, nem me envolvia profundamente em nada.
Não quero parecer arrogante, mas explico, a bom termo de uma relação profícua e não sei mais o quê…
- Não consigo comprometer-me emocionalmente com ninguém. Quando começa a tocar esse ponto, arranjo normalmente uma maneira subtil de me afastar e dizer: Não obrigado, já tenho! Tipo panfleto que se distribui sob o pretexto de nos levar de a a b e que ninguém lê, principalmente se for pintado de cores berrantes tipo o amarelo e o cor-de-rosa com letras garrafais a preto.
Acabei de dizer textualmente isto, na esperança de que me achasse piada – tudo em prol da relação!
Ela volta a mexer-se na cadeira, vê-se que está desconfortável – não comigo, não me achou muita piada, mostra que as meias não condizem nada com as calças, isso chateia-me. As meias e o facto de não ter achado piada. Agora vai falar como se eu fosse um ficheiro clínico cadastrado e vai apontar que as piadas são um subterfúgio para coisas que me deixam verdadeiramente desconfortáveis – o que me parece óbvio caso contrário não as mencionava.
Ela é feia. Tem um cabelo frisado cheio de volume pintado. Combinação terrível acrescento.
50 Minutos e pausa – pausa – obrigado – corredor – senhora simpática – cheque – recibo – até para a semana.

Hipoteticamente falando, claro
Esta seria a minha primeira consulta, se a tivesse tido.

Ana

3 Comments:

Blogger Sílvia said...

assim tão bem imaginada e descrita...quase juraria...que foi a tua consulta real á qual preferias não ter ido! *

6:41 da tarde  
Blogger joana said...

eu gosto particularmente da capacidade de reflexão que te permite ser paciente e psicóloga!
mas se assim é podias passar a receita para ti própria e deixar esses medos para trás!

you are the best girl!*

10:59 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

naoooooooo... muito mal feita, muito mal dirigida, nunca se diria estas coisas a alguem que pretende carregar mascaras até para a casa de banho, naqueles momentos em que ninguem mais está a vê-la....
uma coisa eu admiro-te, tu consegues enganar-te a ti propria caramba. quando é que pensas assumir que essa balela de nao te comprometeres foi aquilo que decidiste inventar para nao te magoares quando pensas em certas coisas!
mesmo assim, nao deixa de ser muito boa a forma como consegues carregar as tuas mascaras!
beijoooooooo

7:43 da tarde  

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